ALÉM DA VIDA

(ou como perder duas horas de sua vida e ter que se arrepender no Além)

Além da Vida - HereafterEsse domingo fui ao cinema. Fui ver o filme “Além da Vida”. A decepção foi tão grande que sai do cinema e entrei no “O Discurso do Rei” para não sentir que minha tarde havia sido em vão. Esse último sim, é um grande filme, com grandes interpretações e uma supresa: Helena Bonham Carter parecendo um ser humano!! Impressionante. Estava irreconhecível como a futura Rainha-Mãe. Talvez pelo fato de, dessa vez, o diretor não ser o marido dela, Tim Burton…

Mas vamos ao primeiro filme. Para começar, vou comentar do oportunismo do título, em português. Obviamente, a distribuidora, ciente do enorme sucesso dos filmes espíritas em 2010, resolveu usar um título que, além de não significar uma tradução do original em inglês, ainda nos remete a uma peça de teatro, em cartaz já há 25 anos, feita em cima de textos psicografados por Chico Xavier e Divaldo P. Franco por Augusto Cesar Vanucci. Esse uso de um título idêntico até poderia ser questionado juridicamente. Quem diria que eu ainda iria ver uma época onde iriam usar desse tipo de artifício para atrair público…

“Hereafter”, o título original, seria melhor traduzido como “Vida Futura”. Mas, não importa o nome dado ao filme, nada o faria ficar melhor. Por incrível que pareça, a direção é de Clint Eastwood, o que deveria ser uma garantia de boa qualidade, mas nesse caso não é.

O filme até que começa bem, com uma impressionante recriação do tsunami que assolou a costa do Oceano Índico, mas logo cai numa modorra sem fim.

Quando saí do cinema, pensei até que talvez eu estivesse sendo injusto com o filme por querer conteúdo doutrinário onde se busca entretenimento, mas ao ler os comentários da sempre lúcida Ana Maria Bahiana, vi que tudo que eu achava estava ali, dito por uma especialista em cinema. Quem quiser conferir, leia:

http://anamariabahiana.blogosfera.uol.com.br/2010/10/16/em-hereafter-o-alem-e-muito-chato/

Além de assinar embaixo de tudo que ela disse, gostaria de fazer alguns comentários. Já aviso, para quem ainda não assistiu, que vai haver muito spoiler nesses comentários. Mas se você ainda não viu, vai acabar não vendo, porque já está saindo de cartaz.

Algumas cenas merecem ser comentadas do ponto de vista de alguém que conhece mais sobre o assunto “vida após a morte” do que o diretor, do que a personagem da jornalista que tem uma experiência de quase-morte e do que o médium de araque interpretado por Matt Damon.

Numa cena, o namorado da jornalista comenta que acredita que a morte encerra tudo. Que não existe nada depois. E complementa que, se houvesse algo, já teriam provado e todo mundo saberia. Para aqueles que compartilham dessa opinião, lamento informar que vários cientistas bastante respeitados estudaram o assunto e, assim que estes declaravam constatar que havia vida após a morte, deixavam subitamente de ser “cientistas respeitados”. Existe sim, como é dito no livro da personagem da jornalista, uma conspiração que persegue todo cientista que ousar declarar que acredita na vida após a morte, na comunicação dos espíritos e coisas do tipo. Quem quiser se dedicar à pesquisa séria sobre esses cientistas, procure os trabalhos de Sir William Crookes, Charles Richet, Ernesto Bozzano, Cesare Lombroso, etc.

O médium George interpretado por Matt Damon é uma das figuras mais absurdas que já vi. Inicialmente, um médium que chama sua atividade mediúnica de “job”, que foi traduzido como “trabalho”, mas o certo seria “emprego”. Ele ganhava dinheiro com sua atividade mediúnica e não sabe por que entrou em crise?? Seu irmão chega a dar a dica, ao dizer que ele teria que continuar porque esse era seu dom, ao que George responde: “Não é um dom, é uma maldição”. Para quem ganha dinheiro com isso, sem dúvida é…

É de se espantar como alguém que tem contato com espíritos de pessoas mortas, o que torna claro não ser a morte o fim, que tem a possibilidade de ajudar pessoas a se conformarem um pouco mais com a perda, parece só pensar em si mesmo. A falta de emotividade dele diante das pessoas que o consultam é impressionante. Até a moça do Google Translator passa mais emoção.

Num dado momento, ele diz que “para ajudar os outros, eu preciso primeiro ajudar a mim mesmo”. Piiiiiii! Resposta errada! Ajude os outros, que você estará se ajudando. Além do mais, se para ele, ajudar a si mesmo é ir para uma feira de livros bancar o tiete com um narrador de livros de Charles Dickens, algo realmente está errado com o rapaz.

E para um médium, a falta de autoconhecimento também é impressionante. Foi preciso um menino de 9 anos, que viu o interesse dele pela jornalista, para que ele se conscientizasse disso?! Aliás, que finalzinho mais água com açúcar. Fiquei esperando que uma bomba explodisse e os dois fosse namorar lá no Umbral, mas isso não aconteceu…

A personagem do garoto me pareceu a melhor. Decidido, não sossegou por enquanto que não obteve a resposta para sua pergunta: para onde havia ido o irmão gêmeo, falecido num acidente? Detectou todo tipo de charlatão que explora a credulidade humana, mas soube identificar a comunicação verdadeira. Se todos (inclusive os espíritas) fossem como aquele menino, o mundo seria mais proativo.

A personagem da jornalista até que é interessante, embora eu tenha achado a atriz meio docinha para fazer o papel da super-jornalista que enfrenta toda a oposição para se declarar crente na vida pós-morte. Existe uma cena em que ela cita que até um ganhador do Nobel foi perseguido por declarar acreditar na vida após a morte. Ela não diz o nome, mas acho interessante contar sobre três grandes cientistas.

Sir William Crookes, descobridor do Tálio, isolou o Hélio, descobriu o estado radiante da matéria, entre inúmeras descobertas. Crookes estudou por anos materializações do espírito de Katie King, inclusive fotografando o mesmo. Essa parte de seus estudos é convenientemente esquecida nos textos sobre física e química. Crookes nunca ganhou o Nobel, embora tenha sido sagrado cavaleiro (Sir) por seus estudos e descobertas.

Sir Oliver Logde, outro grande físico, trouxe importantes contribuições às teorias da eletricidade de contato e eletrólise, além de ter introduzido melhoramentos no telégrafo sem fio. Tomou contato com os casos de comunicações mediúnicas e decidiu estudá-las, chegando a conclusão que muitas delas eram reais. Numa delas, soube que deveria se preparar para um grande choque. Pouco tempo depois, seu filho Raymond morre na Primeira Guerra Mundial. As comunicações que Sir Oliver e família receberam de Raymond formaram o livro de mesmo nome.

Mas a jornalista se referia a um conterrâneo dela, Charles Richet, descobridor da soroterapia, criou a metapsíquica e recebeu o Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1913, por trabalhos relativos à anafilaxia (reações alérgicas). Estudou a médium Eusapia Paladino e criou o termo “ectoplasma” para designar a substância que forma as materializações de espíritos.

Mas de nada adianta para os descrentes contar esse tipo de coisa. Se um grande cientista diz que acredita na comunicação de espíritos, logo é taxado de louco, crédulo ou demente. Agora, se um cientista (às vezes nem tão bom assim) declara o contrário, subitamente se torna uma grande autoridade.

Bem, é isso que eu ganho por acreditar que os EUA saberiam fazer um filme com temática espiritualista que prestasse…

Texto originalmente postado em Blog não espírita em 21/02/2011

Sobre Maurício M. Vilela

Espírita desde a adolescência, tenho tentado estudar o suficiente para saber separar o joio do trigo.
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Uma resposta para ALÉM DA VIDA

  1. Márcio disse:

    Eu sempre me engano regularmente quando é anunciado um filme sobre espiritualidade nos EUA. No entanto, o que os americanos gostam mesmo é de abordar o mundo espiritual da pior forma possível fomentando o medo quanto ao exercício da mediunidade. De que adianta ser uma potência econômica e ser tão pobre de conhecimento espiritual?

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